Autor: Carlos Alberto - Data: 29/10/2025 09:46
Árvore centenária em Cabo Verde pode guardar vestígios da escravidão
Pesquisadores descobriram que uma árvore centenária, localizada em uma propriedade rural de Cabo Verde, na região Sudoeste mineira, pode guardar em seu tronco um registro físico do período da escravidão. A suspeita surgiu após análises indicarem que uma antiga paineira — de cerca de três metros de diâmetro — dá sinal positivo quando avaliada por um detector de metais. A árvore, situada à beira de um cafezal, pode confirmar uma antiga história que há décadas circula entre os moradores do pequeno município de pouco mais de onze mil habitantes. Segundo relatos orais, o local teria sido usado para castigos e até venda de pessoas escravizadas durante o período colonial.
A cientista social e doutoranda da Unicamp, Lídia Maria Reis Torres, uma das pesquisadoras envolvidas no estudo, ressalta a relevância do achado. “A gente não sabe, pode ser que seja um prego, pode ser que seja qualquer coisa, mas essa marca oral de histórias repassadas desde o período escravocrata é muito significativa”, afirma. A propriedade onde está a paineira pertence à família de Daniel Paiva Batista desde 1930. Ele conta que, desde a juventude, ouvia do tio e do avô que a árvore guardava um pedaço da história escravocrata da região. De acordo com os antigos, escravizados considerados “folgados” eram acorrentados à árvore, e, conforme ela crescia, as correntes teriam sido “engolidas” pelo tronco. “Antigamente, quando compravam escravos e tinha dois ou três que não eram bons de serviço, amarravam com corrente nessa paineira e quem passava por perto podia comprar mais barato”, relata Daniel. “A corrente foi ficando apertada e acabou sendo escondida dentro da árvore”.
Movido pela curiosidade, Daniel procurou Lídia e o professor Luís Eduardo Oliveira, pesquisador da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), que haviam produzido um documentário sobre a presença negra em Cabo Verde. Juntos, usaram um detector de metais e comprovaram a existência de material metálico dentro do tronco. Para Oliveira, o objeto deve permanecer onde está: “A árvore, do jeito que está, é um espaço de memória de Cabo Verde. Se tirarmos o artefato, ela vira apenas uma árvore; e o artefato, apenas um objeto.” Segundo a bióloga Luciana Botezelli, professora da Unifal em Poços de Caldas, é raro que uma paineira viva por tantos anos. A espécie costuma ter expectativa de vida entre 50 e 70 anos. Ainda assim, ela confirma que árvores podem envolver objetos durante o crescimento. “Muitas vezes, o tronco cria uma estrutura para envolver o material que o incomoda e impede seu crescimento”, explica. Encantada com o simbolismo, a bióloga destaca a força da natureza em transformar um local de dor em um símbolo de resistência e memória.
A descoberta da árvore que “apita” ocorreu após a divulgação de um documentário sobre a presença negra e indígena em Cabo Verde, produzido por Lídia e Oliveira em 2023. O município, fundado em 1762, prosperou com o ciclo do café, mas sua história negra foi sistematicamente apagada das narrativas oficiais.
“Cabo Verde é uma cidade escravocrata, e a elite local contribuiu para o apagamento dessa história. Isso é a institucionalização do esquecimento”, afirma Oliveira. Os chamados “causos” populares foram fundamentais para resgatar fragmentos desse passado. “Essas histórias orais circulam entre as famílias, passadas de geração em geração. O achado na paineira valoriza justamente essa memória oral, que nunca deixou de existir, mesmo fora dos registros oficiais”, observa Lídia. Motivados pela descoberta, os pesquisadores pretendem seguir investigando a história local. “Importa menos a verdade absoluta dos fatos, e mais as histórias que sobrevivem entre as pessoas. São elas que mantêm viva a memória de um passado que insistiram em apagar”, conclui Lídia. (Fonte: Fabiana Assis, g1 Sul de Minas)
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Redação: R. Dr. Joaquim Libânio, nº 532 - Centro - Guaxupé / MG.



